CABICHUÍ: NO EPICENTRO DA GUERRA DO PARAGUAI
Introdução
A Guerra do Paraguai foi um importante conflito da América do Sul que envolveu quatro países e ao mesmo tempo deu vida a uma rede de informações ao trazer tecnologias para esse campo nunca antes vista, a comunicação estava em alta.
Nesse sentido, vários periódicos surgiram, e entre tanto alguns unicamente para fins de informações de guerra ou mesmo encorajamento dos combatentes.
Em território paraguaio, muitos desses periódicos davam vida ao imaginário e a sátira tipicamente guarani, ao passo que tentava informar a aqueles que estavam na linha de frente, da forma que era possível em face às restrições de suprimentos a exemplo de papel e tinta.
Entre esses periódicos, um dos mais aclamados foi o Cabichuí, que nesse breve trabalho terá o seu volume um analisado com vistas a entender a sua dinâmica e o muito que pode oferecer em termos de entendimento de um conflito tão emblemático como a Guerra do Paraguai.
Posto isso, esse trabalho tem como objetivo geral analisar o Cabichuí nº 1 ao passo que se confronta o seu conteúdo com o vivenciado na Guerra do Paraguai.
Esse trabalho se faz importante por levar em conta o periodismo de guerra, esse de forma diferenciada dada o seu desfecho e papel que compunha nesse conflito beligerante e se mostrar como uma grande oportunidade de trabalho com as fontes, também, no contexto do ensino de história.
A metodologia utilizada é qualitativa em uma pesquisa exploratória e descritiva que faz uso da bibliografia disponível a exemplo de Costa (2006) e Farina (2013) bem como a análise do Cabichuí Nº 1, entre texto e imagens.
O periodismo na Guerra do Paraguai
Um país moribundo em meio a uma das maiores guerras já vistas na América Latina, foi assim que o Paraguai passaria a produzir seu próprio e papel e tinta para assim manter seus periódicos que tanto animavam as tropas exauridas (FARINA, 2013).
Mas, mesmo usando largamente durante a guerra e com vários periódicos em circulação, o Paraguai foi um dos últimos países da América do Sul a incorporar a imprensa a seu patrimônio cultural. (FARINA, 2013).
E, nesse sentido, há varias ressalvas quanto à categorização da imprensa de guerra paraguaia tendo em vista a parcialidade das informações ofertadas, já que:
“[...] imprensa paraguaia de fronteira, preferencialmente, escolheu como imagens negativas a animalização: e outra, importantíssima, a condição dos soldados brasileiros, em sua maioria negros escravos, em comparação aos soldados paraguaios, cidadãos livres” (COSTA, 2006, p. 59).
E tanto para a imprensa brasileira, quando para a paraguaia, havia a necessidade de correspondentes de guerra que poderiam descrever, com a máxima precisão, tudo o que se passava no campo de batalha, ou o mais perto dele, porém esse importante personagem da informação de guerra nem sempre é lembrado (DE PAULA, 2021).
Assim, entre dificuldades e desinformação, em meio a muitos periódicos e informantes, nascia a imprensa de guerra no Paraguai e alimentava os jornais, mentes e sociedades sedentas de informação independente da qualidade e da veracidade das mesmas.
Analisando o Cabichui Nº 1
Uma guerra emblemática, como a Guerra do Paraguai, travaria ainda batalhas literárias no campo reservado a enfrentamentos bélicos, é isso que se avizinha ao fazer uma análise do primeiro volume do Cabichuí.
E o processo interpretativo não tardaria, desde a capa (Figura 1), das primeiras imagens onde já se mostrava um negro sendo picado por um enxame de vespas agressivas, as cabichuís, e os próprios correspondentes usavam como pseudônimos os nomes de vespas perigosas. O periódico surgiu em 13 de maio de 1867 e se manteve ate o dia 20 de agosto de 1868 com periodicidade de duas vezes por semana em um total de 95 edições (COSTA, 2006; CAPDEVILA, 2007).
Figura1: Imagem de capa do Cabichuí. Fonte: Cabichuí Nº 1.
Nesse sentido, o periódico acaba ganhando notoriedade entre os pesquisadores e curiosos pela escrita ácida, o Cabichuí começa a descrever os aliados já em seu primeiro número como animais (como bem mostrado na Figura 2), donos de uma grande ambição, iniquidade, crimes e comparando os brasileiros constantemente a macacos (COSTA, 2006).
Figura 2: Soldados aliados sendo representados como animais. Fonte: Cabichuí Nº 1.
Se os textos chamavam a atenção, as imagens criavam um capítulo à parte no imaginário de quem tinha em mãos esse periódico já que “[...] as gravuras do Cabichuí, mais numerosas, mais engraçadas e inventivas, são extraídas do imaginário paraguaio [...]” (CAPDEVILA, 2007, p. 14).
A produção era precária e se fazia, geralmente, no front de guerra e praticamente sem o material necessário para sua produção, o que implicava diretamente em improvisos para que esse pudesse existir. (CAPDEVILA, 2007).
Na verdade, segundo Costa (2006), muitos dos periódicos desse período foram criados para fortalecer a moral dos soldados onde as publicações eram feitas em guarani, espanhol e mesmo em português e, como propaganda, espalhadas nos acampamentos, inclusive brasileiros. Repleto de imagens pesadas, esses periódicos eram distribuídos gratuitamente entre os membros do exército paraguaio.
Prova de seu direcionamento para os soldados brasileiros, por extensão, são as partes em português que compunham o documento e chegava sem muitas dificuldades, aos acampamentos aliados mesmo frente ao brutal conflito, com “[...] as legendas das gravuras do Cabichuí são frequentemente escritas em português. Por isso, militares brasileiros testemunharam que o Cabichuí era deliberadamente distribuído nos acampamentos da Aliança” (CAPDEVILA, 2007, p. 13).
Todo processo contava com a ação direta de López e toda a sua cúpula administrativa de guerra que guiava e manipulava as informações, ao passo que direcionavam as informações com vistas favorecer eles.
“O comandante do Paraguai, López propôs uma estética visual nos moldes neoclássicos, mas por falta de formação, as gravuras acabavam tendo alegorias sobre libertação, poder, pátria, com ares campesinos. Escobar e Salerno afirmam que as gravuras do Cabichuí conectam-se ao texto com a tradição popular, adquirindo expressão própria” (COSTA, 2006, p. 61).
Para além de tudo isso, o cotidiano de guerra também estava presente no Cabichuí, relacionado aos dois lados do conflito, onde a imparcialidade não era uma de suas marcas, ainda que abordasse temas diversos referidos aos envolvidos em todo o processo. Com a crítica sempre presente, chegou a tratar sobre o alistamento militar no Brasil, dando sempre uma versão jocosa a tal prática e chegando a chamar esses de “escravos”, uma referência à realidade escravista do Brasil, na época.
“A dificuldade em preencher os vazios na tropa levou o Império a libertar escravos para lutarem no Paraguai. Por decreto baixado em 6 de novembro de 1866, os ‘escravos da nação’, do estado, que servissem no Exército em guerra ganhavam a liberdade, enquanto que os donos que libertassem os seus, para esse fim, eram recompensados com título de nobreza. Até mesmo o governo imperial, desapropriou escravos pagando indenizações generosas” (COSTA, 2006, p. 56).
Já na primeira edição do Cabichuí, os seus objetivos já aparecem ao enaltecer o soldado paraguaio ao passo que aponta os aliados como aqueles que atuam pela lógica do canhão a destruir os povos livres.
Nesse mesmo tom, asseveram que o tranquilo e pacífico Paraguai teria sido invadido pelos sanguinários aliados com suas escravistas legiões, já que apontavam constantemente a questão escravista, negra, principalmente do Brasil.
Logo, não era apenas mais um periódico, afirmavam ao se apresentarem como mais um soldado com amor à pátria na guerra dos livres contra os escravos, surgindo mais uma vez a questão escravista.
Mas, se engana quem pensa que esse seria um jornal de guerra apenas atento aos fatos e fenômenos típicos de um conflito, e nessa direção já garante em sua primeira página que fará brincadeiras com os acontecimentos da guerra e contra os invasores.
Figurando em pelo menos três línguas, faz referência ao guarani ao apontar-se como nato da língua, mas além do espanhol também tem partes escritas em português, como já mencionado, para assim chegar ao acampamento inimigo.
Não para de fazer referências negativas aos aliados e deixa uma marca ao referir-se ao brasileiro como macaco. Chama a “Tríplice aliança” de animal nascida da ambição, iniquidade e crime e diz claramente que essa ficou muito tempo escondida por vergonha.
E, para o Cabichuí a guerra teria como três grandes culpados: Pedro II, Mitre e Flores, refere-se a Pedro II como macaco maior, todos unidos contra uma virgem (o Paraguai).
Fala-se em um remendo de exército, por parte do império e um Imperador dos macacos do Império do Brasil. Quando se referem a Caxias, o chamam de capataz maior dos escravos do exército aliado.
Na edição Nº 1, expõe-se uma suposta carta do imperador de Caxias na qual fala da cólera, poucos triunfos de guerra e como foram humilhados pelo exército paraguaio.
Tenta apontar Mitre (líder argentino) como ex-aliado e agora destituído de chefe do exército aliado. Fala da guerra de Curupaity como uma batalha formidável com vitórias sucessivas para o Paraguai.
Os políticos brasileiros, são descritos como descontentes, reclamando que a guerra não evolui e tarda em acabar, aponta o Cabichuí, que pica os descuidados, como se definem constantemente.
Para o periódico, os brasileiros são os verdadeiros “mortais inimigos” e, com a ajuda de Deus, destruímos quem faz uma guerra injusta. Os brasileiros são muito frouxos e correm antes de morrer, deprecia o periódico de escrita ácida.
E termina a edição com uma música, que teria sido cantada por um soldado no campo de batalha, onde a mesma se esforça para atacar os soldados brasileiros os chamando de macacos. Chega a ofender Caxias e Dom Pedro com nomes pejorativos, apenas para endossar o tom.
Assim, falando a respeito do surgimento destes diversos periódicos, o próprio Juan Crisóstomo Centurión, oficial do Exército paraguaio que tomou parte da guerra e teve participação efetiva na condição de redator e colaborador de várias destas publicações, assim os apresentam enquanto memórias:
“El Mariscal López empleaba todos los medios á su alcance para fortalecer el espíritu y mejorar en lo posible la moral del ejército. A este fin, á más del Semanario, que no solo registraba en sus columnas los sucesos de la guerra, sino que hacía una propaganda tenaz contra los aliados en el sentido de desacreditar su causa ante la opinión, mandó fundar un periodiquín llamado El Centinela, […] y otro llamado el Lambaré, que se redactaba en guaraní […] Estos dos periódicos veían la luz en la capital, y se distribuían profusamente en la campaña y en el ejército. En Paso Pucú se estableció una imprenta, y por indicación del Mariscal se fundó un periódico satírico de caricaturas. El que escribe estas memorias fue encargado de la dirección e redacción del mismo […] fue aceptada a la idea mía de que fuese llamado Cabichuí” (CENTURIÓN, 1894, p. 320-321).
Com efeito, um dos aspectos a serem somados na análise da Guerra da Tríplice Aliança é o relevante papel que teve a imprensa a partir desses periódicos produzidos muitas vezes no próprio campo de batalha, tanto no Paraguai quanto nos países aliados (Brasil, Argentina e Uruguai), na construção de representações e “realidades” múltiplas. Em alguns casos, perceber-se-á que o sangue, o suor e as lágrimas derramados pelos contendores atrelaram-se intrinsecamente à tinta derramada nas folhas dos jornais que passaram pelas mãos de muitos.
Considerações Finais
Uma guerra que foi além das linhas e campos de batalha e atingiu, também, o imaginário dos quatro povos envolvidos com uma vasta produção de notícias, imagens e falácias em meio a um grande conflito armado.
É bem verdade que foram muitos os periódicos desse período e em todos os países envolvidos, mas aqueles que eram produzidos no Paraguai tiveram grande notoriedade, no momento do conflito e mesmo depois como fonte de pesquisa para especialistas e curiosos no tema.
Dentre tantos, o Cabichuí ganharia destaque, tanto pelas dificuldades de produção, escassez de material ou mesmo pela acidez na escrita única adaptada para aquele momento e supervisionada pelo próprio dirigente paraguaio, López.
Tratando-se da escrita, já no Cabichuí Nº 1, que foi analisado nesse breve trabalho, já se percebe o tom adotado, ao difamar os aliados e os compara constantemente a animais, em especial os brasileiros que eram comparados a macacos.
Para além das brincadeiras e deslizes éticos cometidos pelo jornal, também ajudava a levantar o ânimo das tropas em guerra, o que servia também para que esses mesmo que recebendo notícias falsas, mantivessem a esperança em uma vitória que se avizinhava.
Portanto, com espaço para constantes críticas o Cabichuí escreveu seu nome na história a partir de uma das maiores guerras do continente americano, a Guerra do Paraguai, e hoje desponta como fonte de informação e análise do campo de batalha dessa emblemática guerra e suas muitas versões e desejos por reparação.
Referências biográficas
Dr. Cleberson Vieira de Araújo, Secretário de Educação de Nazarezinho/ PB, Pós- Doutor em Política Educativa, Estudos Sociais e Culturais (CENID/ México). E-mail: cleberson.historiador@gmail.com.
Referências bibliográficas
CABICHUÍ, Paso Pucú, 13 de mayo de 1867.
CAPDEVILA, Luc. O gênero da nação nas gravuras da imprensa de guerra paraguaia: Cabichuí e El Centinela, 1867-1868. ArtCultura, Uberlândia, v. 9, n. 14, p. 9-21, jan.-jun. 2007. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1447/1296> Acesso em: 19 de abril de 2021.
CENTURIÓN, Juan Crisóstomo. Memorias del coronel Juan Crisóstomo Centurión ó sean, Reminiscencias históricas sobre la Guerra del Paraguay. Tomo Segundo. Buenos Aires: Imprenta de Obras, 1894.
COSTA, M, A. Gravando paradigmas na memória. Revista Educação Gráfica, Bauru, n. 10, p. 53 – 64, 2006.
DE PAULA, Edgley Pereira. A imprensa no campo de batalha: como era o trabalho dos correspondentes na Guerra do Paraguai (Artigo). In: Café História. Publicado em 15 mar de 2021. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/os-correspondentes-de-guerra-na-guerra-do-paraguai/. ISSN: 2674-5917. Acesso em: 20 de abril de 2021.
FARINA, Bernardo Neri. El periodismo em la guerra. El Lector., Asunción, 2013.
Olá, Cleberson Vieira de Araújo!
ResponderExcluirParabéns pelo seu texto!
Você menciona que os soldados leitores do Cabichuí recebiam, inclusive, notícias falsas para manter o ânimo das tropas. Você poderia dar algum exemplo de notícia falsa publicada no jornal?
Márcia Rohr Welter
Olá, obrigado por fazer a leitura do meu texto.
ResponderExcluirUm dos principais motivos para a existência do jornal foi levantar o ânimos das tropas, ao diminuir as vitórias aliadas e ao mesmo tempo mencionar vitorias do grande exercito paraguaio, que não ocorriam de fato.
Espero ter esclarecido sua dúvida.
At.te
Cleberson Vieira de Araújo