NA ROTA DO “PROGRESSO”: A AÇÃO DA MISSÃO OESTE DO BRASIL NO ESTADO DE GOIÁS
Introdução
A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas locais, de doutrina reformada (calvinista) e que tem sua origem nas missões norte-americanas do séc. XIX. Depois de um período de implantação e outro de consolidação, esta igreja passou a buscar novos campos de atuação nas mais diversas regiões do Brasil.
A chegada do protestantismo presbiteriano ao estado de Goiás se deu em um contexto de desenvolvimento a partir do movimento da Marcha Para o Oeste nos idos da década de 1930. Os missionários presbiterianos enviados pela denominada Missão Oeste do Brasil encontraram uma região em franca expansão, o que abriu portas para aquela missão proselitista.
A Marcha Para o Oeste foi o movimento Varguista que a partir do Estado Novo visou o povoamento, a integração e o desenvolvimento das regiões Centro Oeste e Norte do Brasil. A Missão Oeste do Brasil foi um projeto missionário da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUS) que, entre as décadas de 1920 a 1960, empreendeu a evangelização protestante no Estado de Goiás, dentre outros estados. No pressuposto de que há concomitância temporal entre os dois movimentos, esta pesquisa será desenvolvida numa perspectiva dialógica entre ambos.
Embora, em primeira análise, a Missão Oeste do Brasil tenha tido início antes mesmo do projeto expansionista de Getúlio Vargas, a efetivação desse abriu portas para o desenvolvimento daquela. O objetivo aqui é, portanto, identificar e refletir sobre como esta ação missionária presbiteriana se desenvolveu no compasso da Marcha Para o Oeste.
A pesquisa, que encontra-se em estágio preliminar, foi desenvolvida a partir de uma revisão bibliográfica em artigos, teses, livros biográficos e da história da Igreja Presbiteriana do Brasil.
No primeiro tópico é traçado um breve histórico do presbiterianismo no Brasil, desde o movimento missionário norte-americano até a implementação da Missão Oeste e sua ação no estado de Goiás. O segundo tópico discorre sobre o projeto político-econômico desenvolvimentista da Marcha para o Oeste e a abertura de rodovias, buscando compreender em que medida este consolidou a região em que este estudo estará centrado. E por fim, por se tratar de um estudo preliminar, as considerações finais apontam para uma reflexão sobre como esse processo favoreceu a atuação e condicionou as estratégias da Missão Oeste do Brasil.
O presbiterianismo no Brasil e a Missão Oeste do Brasil no estado de Goiás
A história da Igreja Presbiteriana do Brasil, tem como marca, entre outras, a ação missionária intencional e organizada. A chegada do presbiterianismo ao Brasil se deu a partir do movimento missionário norte-americano do século 19 (MATOS, 2009). Seu fundador foi o missionário americano Rev. Ashbel Green Simonton (1833-1867), que chegou ao Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1859. Este foi enviado ao Brasil pela Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América (PCUSA).
Sobre os primeiros anos de trabalho do jovem missionário, Matos (2009. p. 17) afirma que:
“Seu trabalho no Brasil estendeu-se por poucos anos, nos quais, além da Igreja do Rio de Janeiro, ele criou um jornal (Imprensa Evangélica), um pequeno seminário e o primeiro concílio da nova denominação, o Presbitério do Rio de Janeiro, organizado em 1865. O pioneiro faleceu aos 34 anos, vitimado pela febre amarela. Em 1860 e 1861 haviam chegado para ajudá-lo dois colegas – Alexander Blackford e Francis Joseph Christopher Schneider. Outros mais vieram nos anos seguintes, como George Whitehill Chamberlain e Robert Lenington”.
A morte precoce de Simonton não interrompeu os intentos da missão. Os demais missionários continuaram engajados no mesmo propósito. Nos anos seguintes outros missionários foram enviados ao Brasil, alguns deles pela Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUS) – igreja formada no contexto da Guerra Civil norte-americana entre 1861 e 1865 – tais como George Nash Morton, Edward Lane e John Boyle. Este último foi pioneiro no trabalho presbiteriano no Brasil Central (Matos, 2009).
Ribeiro (2008) atesta que o protestantismo nos centros urbanos, nesse contexto, desenvolvia-se a passos lentos, mesmo em cidades em franco crescimento, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Porto Alegre, uma vez sua mensagem não alcançava a classe dominante, ainda fortemente imersa no catolicismo, o qual predominava não apenas por questões religiosas, mas também políticas.
“Por encontrar maior resistência ao seu crescimento nos centros urbanos, onde o catolicismo assumia uma postura dominante pela presença física tanto das igrejas como dos párocos, o protestantismo buscou terreno para seu crescimento no ambiente rural. Seguindo o caminho da expansão cafeeira [...], os missionários protestantes investiram na evangelização dos interiores, penetrando pelas zonas rurais da província de São Paulo e zonas fronteiriças da província de Minas Gerais, dali se encaminhando para toda a área do cinturão caipira delimitado por Antônio Candido (2001) indo até Mato Grosso e Goiás, áreas distantes fisicamente da Igreja Católica e fora dos patrimônios dos santos de devoção” (RIBEIRO, 2008, p. 115).
Ribeiro (2008) atribui essa trajetória e expansão do protestantismo pelo interior do país à ausência da religião oficial pré-estabelecida hegemonicamente, e por conseguinte à desnecessidade de contrapor-se, o que deu espaço para os projetos missionários em voga reinventar-se, originando o que a autora denomina como protestantismo rural.
Nesse processo, o presbiterianismo também aflui em direção ao Planalto Central brasileiro. O plano maior de acesso do presbiterianismo a essa região foi a criação em 1906 da Missão Oeste do Brasil (MOB). “O propósito expresso da MOB era o evangelismo e a plantação de igrejas pelos meios mais diretos” (Arnold, 2012). O evangelismo é a prática de divulgação da mensagem do evangelho de Jesus, a plantação de igreja é a reunião dos conversos em torno da nova identidade religiosa.
Entretanto, para além da análise empreendida por Ribeiro (2008), verifica-se que a chegada da MOB em Goiás se dá em um contexto de desenvolvimento e modernização do território sob as projeções varguistas de ocupação populacional e expansão econômica das regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil. No estado de Goiás, projetos como a Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG) e o aumento da malha rodoviária foram marcos desse movimento, como será discutido no próximo tópico. A transferência da capital goiana em 1937 da Cidade de Goiás para a recém-criada Goiânia, também fora um fator motivador para a chegada de missionários da Missão Oeste do Brasil.
A Marcha para o Oeste e a abertura das rodovias
A ideia de progresso e desenvolvimento difundida a partir do Estado Novo introduziu projetos de colonização que incentivaram a migração para áreas que produziam matérias-primas e gêneros alimentícios a baixo custo para subsidiar a implantação da industrialização no sudeste brasileiro.
A “Marcha para o Oeste” representou um grande salto para a expansão da fronteira agrícola, fator que determinou em grande medida a economia do estado e a situação tanto centralizada quanto periférica de muitas cidades. Havia uma preocupação por parte do governo federal com os espaços vazios do território nacional, e a Marcha para o Oeste tratava da concreta ocupação desses vazios no Planalto Central, ao mesmo tempo em que articulava a abertura de rodovias para o escoamento da produção.
Segundo Teixeira Neto (2009), o ponto de partida da concretização desse ideal nacionalista na região do meio-norte goiano foi, no início dos anos 1940, com a criação das políticas de povoamento de Getúlio Vargas, a Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG), inserida no projeto da ‘Marcha para o Oeste’, responsável pela ocupação e reocupação de muitas vilas no interior de Goiás.
“A Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG) foi a primeira de uma série de oito colônias criadas pelo governo, tendo sido implantada em um terreno extremamente fértil – ainda inexplorado – na zona conhecida como Mato Grosso Goiano. Com a medida, a corrida migratória para o Estado avolumou-se substancialmente e a implantação da Cang foi responsável pelo assentamento de significativa parte dos imigrantes. Tanto que o geógrafo Faissol referiu-se à existência de “mais de 10 mil pessoas” na Cang em 1946 e, de fato, a população recenseada atingiu 29.522 habitantes em 1950, contingente relativamente significativo para menos de uma década de ocupação” (PADUA, 2007, p. 630).
Vale salientar que, de acordo com Arnold (2012), muitos colonos que ocuparam a cidade de Ceres eram presbiterianos, o que contribuiu para o rápido crescimento do presbiterianismo na região. Segundo Pádua (2007), a distribuição dos lotes de terra ocorreu de forma gratuita numa área de aproximadamente 106 mil hectares, sendo que cada lote media de 20 a 30 hectares cada. Para a autora, a implantação da Cang foi de certa forma bem sucedida, uma vez que o regime de pequena propriedade resistiu, ainda que temporariamente, fixando parcela dos imigrantes nessas glebas. Apesar da falta de distribuição de créditos aos pequenos produtores, da grande distância dos centros consumidores e da forte dominação do capital mercantil em Goiás, a implantação da Cang promoveu assentamento para milhares de pessoas, favoreceu o parcelamento de terras e a produção agrícola alimentar em Goiás de forma significativa na primeira metade do século passado.
Em consonância às colônias de povoamento agrícola, esteve a abertura da BR-153, como Estrada da Colônia, entre 1942 e 1948, em plena campanha da “Marcha para o Oeste”, também chamada de “Transbrasiliana” e BR-14, no trecho entre as cidades de Anápolis e Ceres (1941-1944). O objetivo era ligar a Colônia Agrícola Nacional em Ceres ao sul de Goiás, criando um instrumento de comunicação entre as regiões e as cidades e iniciando um processo de deslocamento da modernização brasileira do Centro-Sul para o Centro-Oeste.
O trecho completo da rodovia tem a designação de “Belém-Brasília” (que integra a BR-153) começou a ser construído em 1958, no governo do presidente Juscelino Kubitschek, e foi concluído em 1974 (DNIT, 2009). A estrada abriu caminho para a fixação de novas áreas no norte de Goiás, em terras da União. A população da região central de Goiás, por onde a estrada iniciou, foi chamada a ajudar e milhares de novos moradores chegaram ocupando os “vazios” do grande território, construindo cidades e trazendo o famigerado “progresso”.
“Nos dias atuais, a “Belém-Brasília” [...] e a “Estrada do Boi” (GO-164), que liga a cidade de Goiás à BR-153 à altura de Alvorada do Tocantins, através do vale do médio Araguaia, já contam uma outra história: a das transformações mais recentes do espaço ocorridas em nosso Estado, sobretudo a partir dos anos 1940. Com toda evidência, elas foram, ao lado da Estrada de Ferro Goiás, os caminhos que maiores impactos produziram na vida socioeconômica e política dos Estados de Goiás e do Tocantins. Por exemplo: a “Belém-Brasília” tirou do isolamento em que se encontrava até praticamente os anos 1950 toda a Mesopotâmia goiana – a extensa região situada entre os rios Tocantins e Araguaia –, incorporando-a definitivamente à economia de mercado” (TEIXEIRA NETO, 2009, p.12).
A implantação da rodovia federal tem uma grande influência no eixo de expansão e valorização do solo. Mesmo antes da pavimentação da Belém-Brasília (parte mais importante da BR-153 em território goiano-tocantinense), enquanto algumas cidades novas foram construídas às suas margens, outras foram “despertadas”, aumentando seu sítio original em direção à rodovia e moldando sua estrutura econômica em função do eixo rodoviário da Belém-Brasília. Esse fator teve impacto, sobretudo, na estratégia da PCUS, via Missão Oeste do Brasil, de inúmeras compras de terrenos nas áreas urbanas que se formavam nesse eixo da rodovia.
Considerações Finais – uma reflexão preliminar sobre o projeto da Missão para o Oeste ante o projeto de ocupação territorial da Marcha para o Oeste
Aventa-se que o plano de expansão da Missão Oeste do Brasil, efetivado por meio da passagem dos missionários e das compras de terrenos e de glebas de terras nesses municípios e distritos recém implantados, se desenvolveu de forma pareada ao projeto político de desenvolvimento e integração nacional, que colocou o estado de Goiás “na rota do progresso”.
Até o momento da pesquisa, a revisão bibliográfica permitiu compreender fatos históricos da Missão Oeste do Brasil, relacionando-os à própria história de desenvolvimento da nação, no contexto da integração territorial. Essa síntese nos permite admitir que religião e política são campos distintos, porém, cujos escopos se interrelacionam.
A pesquisa está em desenvolvimento e terá novos desdobramentos que culminaram em um recorte estabelecido espacialmente na região denominada Vale do São Patrício, que compreende os municípios goianos de Goianésia, Jaraguá, Itapuranga, Ceres, Itapaci, Rubiataba, Uruana, Rialma, Carmo do Rio Verde, Barro Alto, Nova Glória, São Luís do Norte, Rianápolis, Hidrolina, Santa Isabel, Santa Rita do Novo Destino, Ipiranga de Goiás, Pilar de Goiás, Guaraíta, Morro Agudo, Guarinos, Nova América e São Patrício; e um recorte temporal que abarcará o período entre as décadas de 1920 a 1960.
Assim, novas fontes, permitirão compreender o contexto de expansão da Igreja Presbiteriana do Brasil na região do Vale do São Patrício, tais como as memórias escritas pelos missionários atuantes no estado, livros de atas das igrejas, presbitérios, concílios nacionais e outros documentos eclesiásticos, periódicos presbiterianos da época, depoimentos e manuscritos referentes ao início do movimento protestante do estado, bem como documentos da Missão Oeste do Brasil pertencente ao Comitê de Nashville – Tenesee (EUA).
Referências biográficas
Dra. Luana Nunes Martins de Lima, docente do curso de Geografia e do Mestrado em Estudos Culturais, Memória e Patrimônio (PROMEP) da Universidade Estadual de Goiás (UEG).
Johnatn José de Lima, bacharel em Teologia pela Universidade Mackenzie, pós-graduando em História do Brasil e Docência do Ensino Superior pela Faculdade Intervale.
Referências bibliográficas
ARNOLD, Frank L. Uma Longa Jornada Missionária. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
ARRUDA, Emerson de. Entre deuses e Deus: estratégias e táticas na implantação do Presbiterianismo no estado de Mato Grosso - primeira metade do século XX. 2018. 336 p. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História - Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2018.
FERREIRA, Wilson Castro. Pequena História da Missão Oeste do Brasil. Patrocínio: CEIBEL Edição e Distribuição,1996.
MATOS, Alderi Souza de. Uma Igreja Peregrina. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
PÁDUA. Andréia Aparecida Silva de. A sobrevida da Marcha para o Oeste. Estudos, Goiânia, v. 34, n. 7/8, p. 623-643, jul./ago. 2007.
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. Mapeamento do protestantismo rural no lençol de cultura caipira brasileiro. Cadernos Ceru, São Paulo, v. 10, n. 2, p.113-128, 2008.
TEIXEIRA NETO, Antônio. Os caminhos de ontem e de hoje em direção a Goiás-Tocantins. In: XI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões, 2009, Goiânia. Anais... Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2009.
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